segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A relação médico-doente



A relação médico-doente não precisa de ser distante e impessoal. Deve ser baseada num diálogo genuíno e requer que o dermatologista oiça e participe activamente.

A psoríase é uma doença crónica com lesões visíveis. Causa danos psicológicos de maior ou menor impacto, caracterizados por uma alteração da própria imagem, diminuição da auto-estima e crescente sentimento de insegurança. Os doentes não sofrem só em termos físicos, mas também em termos psicológicos. Os médicos anteriormente consideravam as condições dermatológicas como sendo menos graves do que as doenças potencialmente letais como o cancro ou outras doenças crónicas que originam dor e incapacidade, como a artrose. No entanto, os doentes têm tendência a ter mais dificuldade a lidar com a psoríase do que com outras condições mais "sérias".

Ouvir de uma forma activa


Muitos doentes sentem que o seu dermatologista não tem muito em conta o impacto da condição na sua qualidade de vida, que não os ouve convenientemente ou que não os consultam relativamente ao tratamento. O facto dos médicos não ouvirem os doentes atentamente aumenta as probabilidades dos doentes andarem a saltar de médico em médico. Por outro lado, os doentes cujos médicos os ouvem atentamente irão aderir melhor ao regime terapêutico prescrito e lidarão melhor com a sua condição. A relação médico-doente tem de ser harmoniosa para enfrentar os dois maiores desafios impostos por uma condição de natureza crónica: o seu impacto na qualidade de vida e o cumprimento do tratamento.

O bom diálogo médico-doente é baseado no ouvir de forma activa e na abordagem pessoal feita pelo dermatologista. Não há nada mais angustiante para um doente do que um médico cuja atenção divaga.

Um dermatologista que sabe ouvir também sabe como perguntar ao doente as questões correctas no momento certo. Os doentes sentem-se reconfortados com o facto do médico compreender totalmente a sua situação e irão ajuda-los a ter uma relação individual com o seu médico. Em alguns casos, os médicos precisam de encorajar os doentes a colocarem questões.

Prestar atenção ao que o doente diz também ajudará o dermatologista a compreender quaisquer problemas psicológicos. Por exemplo, o dermatologista será capaz de avaliar o nível de auto-estima do doente e avaliar se esta já era baixa mesmo antes do aparecimento da condição. Se este for o caso, o médico irá deduzir que o doente irá lidar mal com a condição, mesmo que este só tenha duas placas psoriásicas, pois o doente irá achar que a sua condição é grave.

Os períodos curtos da consulta não devem ser uma barreira, quer à relação de confiança entre o médico e o doente, quer ao facto do médico poder avaliar a dimensão psicológica da condição.

Conhecimento


A relação médico-doente é uma relação desigual porque o doente está numa posição de fraqueza. O doente pode sentir-se diminuído pela condição, ou mesmo que este/esta voltou à infância. Todavia, a relação médico-doente desenvolveu-se numa direcção positiva, sendo hoje em dia mais flexível. Isto deve-se em grande parte às associações de doentes que ajudam a que os doentes estejam melhor informados e mais envolvidos na escolha do tratamento.

No entanto, o médico continua a ser o detentor do conhecimento. Por esta razão, os doentes podem sentir-se impotentes se o médico não lhes fornecer informações suficientes, ou se utilizar terminologia médica muitas vezes incompreensível para os leigos.

Os doentes terão então a tendência para procurarem eles próprios a informação, por exemplo na Internet ou em revistas da especialidade.

A obtenção de informação fora do consultório médico é normalmente benéfica, com um senão: há o risco dos doentes ficarem com uma visão demasiado generalizada da psoríase, ao passo que cada caso é um caso individual. De qualquer maneira, nada pode substituir a comunicação directa entre o doente e o dermatologista, devendo o último responder a todas as questões (mesmo as que pareçam mais aborrecidas) de um modo o mais completo possível.

O dermatologista deve ser capaz de detectar os sinais de depressão nos doentes com psoríase. Para além do sofrimento orginado por essas causas de depressão, é ainda um obstáculo ao cumprimento do tratamento e, consequentemente, ao sucesso deste.

Atitudes


O dermatologista irá também discernir qual é a atitude do doente relativamente à psoríase. Esta atitude pode ser consciente ou inconsciente, estando ligada a factores como o ambiente em que o doente se insere ou o histórico familiar e pessoal deste. Esta atitude dá lugar a determinadas crenças e/ou comportamentos. Existem ainda doentes que transferem as suas crenças sobre a condição para os outros. Por isso os doentes podem estar convencidos que todas as outras pessoas irão rejeitá-los porque têm psoríase, por exemplo.

A relação médico-doente não é de todo impessoal, porque estão envolvidos sentimentos positivos e negativos por ambas as partes. Estes sentimentos podem ajudar ou levantar obstáculos à comunicação. Vale a pena reflectir até que ponto a relação médico-doente é influenciada pelas respectivas personalidades. Por exemplo, um doente "dependente" terá problemas em apreender a situação e em discutir as decisões, precisando de ser continuamente aconselhado e encorajado pelo médico. O médico ideal para este doente será um médico paternalista e prescritor.

Por outro lado, um doente "obsessivo" (aquele que tem atenção a todos os detalhes e que precisa de sentir que é ele que manda e que controla) irá procurar um médico que seja metódico e meticuloso e que aborde todos os detalhes de uma maneira clara.

O doente pode desenvolver uma atitude positiva ou negativa para com o médico, baseada em padrões de relação da sua infância, ou seja aquilo que os psicólogos chamam de "transferência". Alguns doentes adoptam uma atitude excessivamente educada e mesmo dócil relativamente aos seus médicos, seguindo o seu tratamento à letra. Por outro lado temos os doentes que se comportam como adolescentes e que se rebelam constantemente contra a autoridade do médico. Podem sentir-se melindrados com qualquer decisão ou terapia sugerida pelo médico.

Existe ainda a contra-transferência do lado do dermatologista, que consiste na suas reacções relativamente ao doente, que podem ser positivas ou negativas. Naturalmente, as reacções dos médicos são baseadas nas suas experiências de vida. Estes têm que perguntar a si mesmos porque é que escolheram ser médicos. Qual é a sua atitude relativamente à doença e à morte? O que quer dizer "tratamento" para eles?

O facto de estarem conscientes dos seus próprios processos psicológicos ajudará os médicos a lidarem com as situações que advêm da prática clínica diária. Por exemplo, os médicos podem ter um sentimento de impotência quando o tratamento não resulta. Têm que ter consciência de que esse sentimento pode, caso contrário, levá-los a ficarem desencorajados e a perderem interesse pelo doente. "O médico tem que se lembrar que "tratar" nem sempre quer dizer "curar". Para curar um doente, um médico também tem ser capaz de dar apoio e incutir confiança," acrescenta o Dr. S. C.


Cumprimento - seguir as instruções do seu médico


Um estudo recente* que envolveu doentes com psoríase (que foram avaliados durante três meses após a sua primeira consulta) demonstrou que apenas 61% dos doentes seguiam o tratamento correctamente. Foram encontradas várias causas para este não cumprimento. Os doentes acharam que os tratamentos lhes impunha entraves, tinham medo dos efeitos secundários e sentiam-se desencorajados pela falta de resultados. É por isso essencial que o dermatologista explique claramente o tratamento para ajudar os doentes a terem uma visão realista da sua eficácia. O médico e o doente devem decidir em conjunto qual o tratamento mais adequado. O dermatologista deve ser capaz de identificar não só as expectativas do doentes, mas também qualquer resistência psicológica. O tratamento não deve ser imposto ao doente.

Se os doentes se sentirem verdadeiramente envolvidos na decisão, aceitarão melhor o tratamento e quaisquer efeitos secundários resultantes; por esta razão irão lidar melhor com a sua condição. O não cumprimento do tratamento é na verdade uma oportunidade para o médico estabelecer uma relação mais genuína com os doentes, com estes a contarem ao médico as razões porque não respeitaram o tratamento, os seus medos e a sua atitude relativamente à condição.

Infelizmente, nas dermatoses crónicas o tratamento é muitas vezes infrutífero. Os dermatologistas podem lidar melhor com o insucesso terapêutico evitando medidas desnecessariamente prolongadas e, em última análise, fúteis (o que apenas pode aumentar a hostilidade de ambas as partes), tornando os doentes seus aliados no próprio tratamento.


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